Carta desde o cárcere – Maria Osório

maria_osorioCusta afazer-se, sobretodo ao princípio, aos ritmos carcerários. Mas sobretodo custa colher-lhe a medida ao próprio sistema penitenciário, aos seus gestores, às finalidades perversas da engrenagem e às réguas de um jogo onde a chave principal (e o seu sucesso) é meter massas de gente em cintura e metê-las, também, sem a menor contemplaçom possível nem miramentos de nengum tipo.

Agora que já quase me começo a considerar um animal taleguero, este submundo tem aspectos analisáveis e que devem ser partilhados com a rua.

 

Nom deixarei de surpreender-me e auto-reprovar-me pola admiraçom e increduliade com a que recebi o submundo carcerário. E digo bem submundo, porque isto para a gente de fora nom existe. Assi que, para além de certa familiaridade com algumhas cousas, nom tinha nem ideia do que me viria encontrar. É claro, a maior experiência da minha vida até o momento corroboram a força e a confiança na luita transformadora de fora que argalhamos porque, salvo excepçons, a prisom dá argumentos duplicados para luitar, ver desigualdades sociais, injustiças e situaçons de violaçons de direitos fundamentais.

 

Umha das reflexons recorrentes que me acompanham e que gostaria de partilhar, é o facto da prisom se cevar especialmente em coletivos que na rua identificamos como mais desfavorecidos e vulneráveis. Nom descobro nada para ninguém, mas hoje podo dizer aquilo de: ver para crêr. Migrantes, mulheres, VIH, ciganas… Algo assi como a miséria dentro da miséria, a repressom sobre a repressom. Como mulher, que é o que me toca (e como galega também) já tivem que receber alguns dos tópicos recorrentes nesta relaçom mulher-prisom. Lembro agora com um certo surriso o que dizia o cunhado de umha presa política basca sobre a prisom de Brieva: “Tú estás en una cárcel de Pin y Pon.” ela respondia-lhe que igual tinha estilo Pin y Pon, mas que era a prisom. Os módulos de mulheres têm sona entre a populaçom presa de ser tranquilos (e isso que eu já vim, nestes quatro meses, vasoiraços, orelhas rachadas, autolesons e sangue polos corredores), mas convém nunca esquecer que a violência entre mulheres pode ser também diferente. Gostaria que alguém visse o pátio da prisom onde vivo agora. Nom vi nengum sopapo até o momento, mas si muita mais raiva, má hóstia e ruxe-ruxe tóxico que em nengum lado. Às vezes o que nom se dirime num lapote manca e autolesiona o mesmo. Por isso, creio, convém abrir olhadas até o inabarcável para fazer-se à ideia de que o modelo de todo e para todo dos homens nom serve para todo. Isto funciona igual para todos os coletivos: nom sofre igual na prisom umha migrante negra do que umha branca, umha mulher do que um homem, umha toxicómana do que umha ladra, umha presa política do que umha social e também nom, evidentemente, umha galega do que umha espanhola. Batalhar por ver se umhas sofrem mais ou menos é estéril, o importante é analisar e combater o mesmo sistema penitenciário que mantém tanta gente e tanto sofrimento junto.

A mim, que me tocou defender-me como galega e mulher, presa política apensar de que eles o neguem, chamou-me a atençom o funcionamento do que dam em chamar “módulos de respecto”. Nom por nada, senom porque o azar e Instintuciones Penitenciarias quixo mandar-me a um. A minha condiçom de prisioneira política fizo com que nom assinasse o contrato (literal) e tal módulo, e por esse motivo fico à marem do resto de presas. Entom o meu relógio suíço tem as agulhas contrárias às do resto: quando entram na assembleia com chefa de serviço e pessoas da cadeia incluido, eu estou na sala: quando descansam das ocupaçons quotidianas, eu fago desporto no pátio; quando têm reuniom de grupo ou terápia, eu passeio: quando renhem porque umha delas sobrecarga o grupo de negativos, eu falo do tempo; quando a ellas lhes ponhem um negativo, a mim um parte; quando um possitivo, a mim nada. Relógios cambiados.

Pouco ou nada mais sei do que isto dos módulos de respeito. Por boca de outras companheiras políticas penso que a maioria das presas no Estado espanhol estám distribuidas por módulos assi, do que se deduze que muitos módulos de mulheres do Estado som de respeito (a exceçom dos Primeiros Graus -todo se andará-). E penso que nom vou mal encaminhada se digo que a maioria de módulos de respeito som de mulheres e nom de homens e que a sua introduçom foi paulatina no tempo (algumha mao solidária me saberá tirar desta ignoráncia). Todo hipóteses, mas talvez tais módulos som experimentos, fórmulas de controlo carcerário novas e que, como coletivo suscetível de receber experimentos, as prisons de mulheres se presta a esta tarefa.

Precisaria dados e tempo, mas o pouco que vim causa pavor. As prisons de finais de 80, segundo puidem saber, ainda ofereciam a possibilidade (ou mais bem: as presas luitárom-o) de as pessoas autogerir a sua vida em certa medida: algumhas políticas antes da dispersom viviam em comunas, cozinhavam elas próprias o alimento achegado polas famílias, manejavam espaços… Um módulo de respeito é a culminaçom ou a pré-culminaçom do processo de desandamento de todo isso.

E como acontece na rua, em nome da liberdade, a boa ordem e o bem-estar da pessoa presa. O horizonte eu vejo-o nítido: começa-se por chamar-lhe “senhorita” ou “dom” a quem te fecha e igual se remata por autofechar a porta. A participaçom das assembleias do pessoal da prisom como algo normal e normalizado, o ritual dos castigos e prémios, a chantagem, o condicional perpétuo (se te portas bien, se, se…). Todo forma parte de umhas réguas do jogo onde a prisioneira nom tem nada a dizer: a vida mesma.

Todo isto trata de maquear a realidade da prisom e romper a relaçom confrontada presa/carcereira pola inovaçom ajustada aos tempos da paz social interna/senhorita. Nom convém esquecer que apesar do cunho “progre” que isto quer levar a prisom segue sendo a prisom: gente sem atençom, problemas afetivos de primeira ordem, sobremedicaçom, evasom dos problemas, gente sem saber como funciona isto ou sem querer sabê-lo, claro. Os profissionais técnicos estám mais ocupados nas complicadas réguas do jogo do módulo e na sua espetacularidade do que nos problemas sociais e dentro.

Há pequenas dissidências disto, como sempre. Quem acumula negativos é enviada de conduçom. A presa política vive à margem, mas tem que viver nesse ambiente, explicar e defender a sua postura diariamente. E por vezes fai-se agotador.

Ao que vou é que resta muito sofrimento por retratar. Tanto como presas e presos hai no Estado espanhol. Quem é prisioneira política tem muito caminho andado porque, embora faga parte desse sofrimento surdo, tabú e vergonhento, fai-no conscientemente, com dignidade e recursos de defesa. Se somos presas política nom é para mirar o embigo e estar contemplando os despojos do mundo circundante, como o outro: arredor de si.

Ainda que a tarefa principal da prisioneira política seja manter a cabeça bem alta e a dignidade fixa (o qual já é tarefa ingente), convém nom despistar-se das injustiças sociais que em parte nos trougérom aquí.

Depois de todo e tendo em conta todos esses coletivos de que falavamos antes (migrantes, portadoras do VIH, ciganas, gentes simplesmente despolitizadas…) vêm-se-me à cabeça o título dum livro de Igor Lugris, com umha pequena modificaçom: quem as defende a elas dos idiotas?



Maria Osório. Prisom de Villabona 8 de Março de 2012.