Falamos com Flora Baena, a irmá de Xosé Humberto Baena, derradeiro militante galego fuzilado polo franquismo em 1975

Ao igual que centenas de pessoas, colectivos e organizaçons deste País, a caixa de correios do organismo popular anti-repressivo recebeu na semana passada o correio de Flora Baena, irmá de Xosé Humberto Baena Alonso, jovem militante galego nas fileiras do ‘Frente Revolucionario Antifascista y Patriótico’ fuzilado polo fascismo em 27 de Setembro de 1975 em Hoyo de Manzanares (Madrid). A mensagem de Flora Baena anuncia-nos, 35 anos depois do assassinato de Xosé Humberto, que a sua família ainda deve continuar na luita para que o Governo espanhol decrete a nulidade do juízo no que Xosé Humberto foi condenado a morte. Editamos hoje, agradecendo a rápida colaboraçom, as contestaçons que Flora Baena deu ao questionário electrónico apresentado polo nosso organismo sobre um facto histórico tam importante como a repressom tardo-franquista e, concretamente, sobre os fuzilamentos de cinco militantes de ETA e FRAP em 1975. A evocaçom da memória de Baena traz-nos necessariamente à memória à de outro jovem galego, Moncho Reboiras, nascido e abatido nos mesmos anos que Xosé Humberto. Politizaçom inicial Xosé Humberto nasce em Vigo em 4 de Outubro de 1950. Segundo nos informa a sua irmá, “era um moço com umha grande ánsia de saber, lia todo quanto caia nas suas maos”. Baena estudou no licéu Santa Irene de Vigo, no bairro das Travesas. “Ali começárom as suas inquedanças políticas”, assegura Flora, que aponta também que “era galeguista, nom independentista” e informa-nos de como Xosé Humberto “depois, foi estudar Filosofia e Letras a Santiago”. Baena participa activamente nas mobilizaçons universitárias de 1970 quando conta apenas 20 anos. “Ali , os estudantes figérom umha sentada e a Polícia detivo uns 200 estudantes, nesse mesmo dia e em dias sucessivos e, entre eles, estava meu irmao”. A mulher que hoje mantém a bandeira da dignificaçom da memória de Xosé Humberto e exige ao Governo espanhol, após 33 anos de “democracia”, a nulidade do processo militar a que este foi submetido, declara que após essa primeira detençom “foi julgado e saiu absolto, apesar de que ficou com antecedentes penais”. O juízo a que se refire Flora Baena celebra-se no ‘Tribunal de Orden Público’ do franquismo, antecessor directo da actual ‘Audiencia Nacional’. Segunda detençom Desde este momento, “comprometeu-se mais com a luita contra o fascismo e as injustiças sociais”. Xosé Humberto incorpora-se ao ilegal Partido Comunista de España (marxista-leninista) enquanto cumpre o serviço militar em Madrid. De volta a Vigo, após o assassinato a “garrote vil” do jovem anarquista catalám Salvador Puig Antich em Março de 1974, diversas fontes asseguram que Baena participa no lançamento de cóqueteis molotov contra umha sucursal do Banco de Bilbao em Vigo como parte das iniciativas de contestaçom popular à execuçom. Flora Baena indica-nos a continuidade dos acontecimentos. “O 1º de Maio de 1975 houvo umha manifestaçom em Vigo na que um polícia à paisana sacou um arma e disparou “ao ar”, matando Manuel Montenegro, um empregado da empresa Fenosa”. “Meu irmao, que nom estava na manifestaçom –continua- inteirou-se do sucedido e junto com outros trece amigos, figérom umha colecta para mercar umha coroa de flores e por-lhe umha esquela no Faro de Vigo na que punha “Muerto por la represión de la fuerza pública”. Da valentia dos 13 jovens dá testemunha o facto de que, num momento de fortíssima repressom, Xosé Humberto achegasse o número do seu bilhete de identidade para que a esquela se pudesse publicar. “Ao dia seguinte, a política começou dete-los”, mas o jovem “inteirou-se de que apresaram vários companheiros e, por temor a sufrir mais umha vez as torturas das que foi objecto trás a sua detençom em Santiago, decidiu escapar a Madrid”. É na capital de Espanha onde se produz a sua segunda detençom. “Em 22 de Julho de 1975 detenhem-o na rua Barceló e acusam-o da morte do polícia Lucio Rodríguez. Estivo 23 dias incomunicado. Nom podia olhar nem o seu advogado. Quando porfim pudo comunicar com ele, explicou-lhe que assinara umha confessom, mas que nom sabia exactamente de que o acusavam”. Farsa judicial num tribunal militar “Meu irmao era civil mas, apesar disso, julgou-o um Tribunal Militar. Sem umha só prova da sua culpabilidade condenárom-o a morte. Nom deixárom declarar nengumha das três testemunhas presenciais porque as suas declaraçons eram contraditórias. Tampouco admitírom provas de balística, nem digitais, nem se apresentou a arma homicida”, recorda Flora Baena que nos informa aliás de que “durante o juízo expulsárom os advogados, vulnerárom-se todas as leis, incluso as da própria Ditadura”. Perguntamos aliás como foi a contestaçom social na Galiza ao processo que remata no fuzilamento do seu irmao. Ao respeito, Flora aponta que “a reacçom social, tanto na Galiza como em todo o mundo, contra estas sentenças foi abrumadora. Houvo manifestaçons em toda a Galiza, Espanha e nas capitais europeias –em Paris, Amsterdam, Londres,…-”. O franquismo terminal estava decidido a morrer como nascera: assassinando. “Expulsou-se aos embaixadores espanhóis de vários destes países. Incluso o irmao de Franco o chamou para que nom levasse a cabo as condenas de morte. Também o Papa fijo declaraçons pedindo clemência e o seu indulto”. Flora aponta que o Chefe do Vaticano “chamou três vezes para falar com Franco e, na última delas, dixérom-lhe que estava durmindo e nom podia atende-lo” (sic). Papel do actual rei de Espanha A trama repressiva na que estivo atrapado Xosé Humberto e rematou com o seu assassinato ante o pelotom de fuzilamento salpica significadas personagens da actual “democracia” espanhola. Assim, segundo a irmá, “A princípios de Setembro, trás a sua detençom, meu pai escreveu ao Príncipe de Espanha, actual rei, pedindo-lhe tempo para demontrar a inocência de meu irmao”. Parece ser, no entanto, que Juan Carlos I de Borbón, ao que Franco nomearia como seu “sucessor a título de rei”, se declarava incompetente na matéria . “A resposta da Casa Real foi que nom podiam fazer nada porque se saia das suas atribuiçons”, diz-nos a irmá de Baena. O dado que coloca Flora é chamativo. De facto, surpreende esta falta de “atribuiçons” se trazemos em conta que Juan Carlos I de Borbón y Borbón fora proposto polo próprio ditador como seu “sucessor a título de rei” em 1947 e, em 1969, eram as próprias Cortes espanholas as que ratificavam esta condiçom em Julho. É ante esta instituiçom que o actual rei espanhol jura “guardar y hacer guardar las leyes fundamentales del Reino y los princípios del Movimiento Nacional”, isto é, o ideário que dera suporte ideológico ao Golpe de Estado de 1936 e o início dum genocídio que ensangrentou Galiza e outros territórios sob jurisdiçom espanhola. Começa umha nova fase na luita da Família Baena Aponta Flora Baena que “Ao ano seguinte da sua morte”, refire-se a 1976, quando o regime fascista inicia movimentos políticos para transmutar-se na actual Monarquia Constitucional, “meu pai voltou a Madrid para tratar de reabrir o processo com as provas que tinhamos que demonstravam que ele nom estava em Madrid o dia da morte de Lucio Rodríguez. Também com umha carta dumha das testemunhas presenciais na que reconhecia que meu irmao nom era o autor do assassinato”. Contodo, o regime que daria sucessom ao surgido das armas em 1936 parecia ter umha disposiçom similar à de aquel e “quando os do tribunal militar vírom de que se tratava, nom admitírom documentaçom nengumha”. O peripécia que segue a família Baena leva-os de novo a Madrid em 78, ano no que se aprova a actual Constituiçom que consagra como Chefe do Estado aquel home ao que o ditador e as Cortes espanholas franquistas consagraram como “sucessor a título de rei”. Aponta a irmá de Xosé Humberto que se deslocárom para a capital de Espanha reclamados polo PSOE e o PCE, que celebravam umha reuniom “à que nos convidárom dizindo-nos que iam intentar revisar o processo”. Neste ponto, a nossa entrevistada é contundente e assegura que, por parte de ambos partidos espanhóis, que já estavam comprometidos com o búnquer franquista no pacto político da ‘Transicion’, “foi todo um engano político”. Século XXI “Meu pai morreu em 1982 sem poder fazer nada, pois lhe fechárom todas as portas”, denuncia Flora com amargura. No entanto, se bem desde o pensamento hegemónico se poderia imaginar que a perpetuaçom da validez do juízo militar que deu passo ao assassinato de Baena se devia ao “delicado momento político que atravessava Espanha”, a evoluiçom do processo demonstra todo o contrário. Segundo Flora, “no ano 2002, a advogada Doris Benegas apresentou um recurso no Tribunal Constitucional para a revisom do processo. A contestaçom foi que em Espanha em 1975 todavia nom existia Constituiçom”. Sobre este argumento insustentável, o Estado monárquico espanhol repite a ladaínha de 1975: a declaraçom da nulidade do juízo “estava fora das suas atribuiçons” Aponta a irmá de Baena que “Em 2005, apresentamos um recurso ante o Tribunal de Estrasburgo. A resposta foi do mesmo estilo: Espanha nom assinara a Declaraçom de Direitos Humanos em 1975. Como se os Direitos Humanos houvesse que assiná-los! Portanto, tampouco podiam fazer nada” desde as instituiçons europeias, anota a nossa entrevistada. “Agora, vamos apresentá-lo na ONU, antes de que remate o mandato de Espanha, porque Espanha sim pertencia a dita organizaçom nesssa época”. O que podemos fazer “A respeito das minhas esperanças de que se anule o juízo, a verdade é que nom tenho muitas”, diz Flora Baena que, no entanto, aos seus 57 anos, nom se resigna e assegura que “há que seguir luitando” até alcançar a nulidade do juízo militar. Perguntamos a esta combativa mulher de Vigo o que podiamos fazer desde Ceivar para arrimar o ombro nesta luita. “Para colaborar na causa do meu irmao podedes dar-nos o vosso apoio na recolhida de assinaturas que estamos a fazer para enviar ao Presidente Zapatero, pedindo-lhe a anulaçom dos Conselhos de Guerra do franquismo”, contesta-nos. “As assinaturas –engade- recolhem-se no meu correio electrónico, que já tedes: florabaena@gmail.com” e anexa-nos cópia da resposta que o Governo espanhol deu à última carta enviada solicitando a nulidade. Pode-se aceder a ela através da ligaçom que aparece no portal Galiza Livre e colocamos ao pé desta notícia. Remata Flora informando de que “já lhe enviamos umhas 150 assinaturas, mas seguimos recolhendo para mandar-lhe mais”. A entrevista finaliza dando-nos “muitas graças polo vosso apoio e interesse”. O honor e a satisfacçom som, em todo caso, nossos, por termos a oportunidade de conhecer umha dessas mulheres que som das imprescindíveis. Sem interesse económico Aponta-nos Flora, quando lhe fazemos chegar esta informaçom por correio electrónico para a revisom definitiva, um último dado significativo. “Desde 1975 estamos metidos nesta luita, mas o nosso interesse nom é económico: nós nom estamos aqui para reivindicar umha indenizaçom ou dinheiro. Só exigimos que se restabeleza a verdade sobre o acontecido e se restitua a memória do meu irmao”. Tomamos nota e publicamos a sua declaraçom tal como ela no-la solicita.