Relator da ONU para a protecçom dos DDHH assegura que “Espanha tem instituiçons que nom tenhem cabimento na democracia”

Martin Scheinin (Helsinki, Finlándia, 1954) é Relator Especial da ONU para a Protecçom dos Direitos Humanos na Luita contra o Terrorismo, segundo reça o seu cárrego. Na primavera de 2005 estivo umha semana inteira em Espanha e Euskal Herria para analisar a legislaçom espanhola, a Justiça espanhola e os seus tribunais. No passado 9 de Março dava a conhecer os frutos da sua análise ante a Comissom de Direitos Humanos em Génova. Entre as preocupaçons do Relator Especial, a extensa definiçom de ‘terrorismo’ que maneja Madrid, a liberdade de expressom, a detençom incomunicada e os tribunais de excepçom. A entrevista que publicamos a continuaçom foi editada no jornal basco ‘Berria’ em 18 de Março passado e oferece umha perspectiva crítica do sistema policial e penal de que se dotou o Estado espanhol para combater a dissidência legal e ilegal no seu interior. Pomos esta entrevista traduzida à nossa língua a disposiçom dos nossos leitores e leitoras. ENTREVISTA A MARTIN SCHEININ, RELATOR ESPECIAL DA ONU PARA A PROTECÇOM DOS DIREITOS HUMANOS NA LUITA CONTRA O TERRORISMO A primavera do ano pasado, Martin Scheinin (Helsinki, Finlandia, 1954), Relator especial da ONU sobre a protecçom dos direitos humanos na luita contra o terrorismo, passou umha semana inteira em Espanha e Euskal Herria. Entre o 7 e o 14 de Maio analisou a legislaçom espanhola, a sua justiça e os seus tribunais. O passado 9 de Marzo deu conhecer os frutos da sua análise ante a Comissom de Direitos Humanos da ONU, em Génova. Mostrou várias preocupaçons, sobretodo no referente à definiçom de terrorismo, em quanto à liberdade de expressom, a incomunicaçom e a ‘Audiencia Nacional’. Ofereceu ao Governo espanhol mudanças e especificaçons para melhorar a lei. Foi nomeado Relator especial da ONU em 2005. É experto, sobretodo, em legislaçons internacionais de relaçons públicas, direitos humanos, constitucionais e antiterroristas. É, aliás, professor de legislaçom internacional na Universidade Europeia, em Itália. Também ostenta a vice-presidência da Associaçom Internacional de Tratados Constitucionais. Foi membro do Comité de Direitos Humanos entre 1997 e 2004, e presidente do Instituto de Direitos Humanos Abo Akademi de 1998 a 2008. O Governo espanhol, no entanto, quijo restar credibilidade às conclusons apresentadas por Scheinin. Quando lhe chegou o turno de replica ante a Comissom de Direitos Humanos, o delegado do Governo espanhol, Javier Garrigues, falou nestes termos sobre Scheinin e o seu informe: “Nom conhece a realidade da luita antiterrorista, nem a opiniom da maioria da sociedade espanhola, nem a base da Constituçom Espanhola. Dá a impressom de que nom conhece nem sequer o delito de enaltecimento do terrorismo. Fijo suas críticas e denúncias que nom tenhem base algumha e que estám sem contrastar. Pujo em dúvida a imparcialidade dos juízes e a divisom de poderes”. O Governo espanhol diz que a sua definiçom de terrorismo é demasiado limitada. O que lhe parece? Eu acho que a definiçom objectiva de terrorismo está bem definida na legislaçom espanhola, mas logo há outros muitos delitos derivados. A definiçom estende-se a cada mais e, afinal, acapara delitos que nom tenhem a ver com o terrorismo. Acho que o uso da Legislaçom Antiterrorista é demasiado amplo em Espanha. Alguns dos temas que se tratam na ‘Audiencia Nacional’ nom deveriam estar ai, como por exemplo, a ‘kale borroka’. Entom, o Governo deveria concretar a legislaçom? Deveria; eu proponho utilizar a Legislaçom Antiterrorista contra o verdadeiro terrorismo. Para os demais delitos, a via penal ordinária é suficiente, sem ter que mencionar o terrorismo. A ‘kale borroka’ é violência, nom terrorismo. Nom é o mesmo. O que opina dos encarcerados pola sua actividade política, acusados de ser membros ou colaboradores de “grupo terrorista”? Para mim é muito difícil saber se existem provas. É-me muito difícil saber se alguém recebe ordens de ETA e se, como diz o Governo, é parte de ETA. No caso de partidos políticos e das plataformas de eleitores recebo mais informaçom. Acho que o ponto de vista do Governo é demasiado amplo. Age contra grupos que nom tenhem nada a ver com a violência. Ter os mesmos objectivos políticos que ETA nom deveria ser delito, nem motivo para ilegalizar um partido político, polo menos se nom tem relaçom com a violência. O Governo espanhol respondeu ao seu informe dizendo que o terrorismo está no objectivo, nom no comportamento. O que opina desta lógica? Estou totalmente em contra dessa definiçom, teria desejado que o Governo nom dixera tal cousa. É um uso demasiado extremista. Para mim a definiçom de terrorismo sempre está no comportamento. É umha estratégia, utilizar a violência contra gente inocente. A violência é simbólica. Se comezamos definir terrorismo em funçom dos objectivos políticos, entom qualquer organizaçom contrária ao Governo poderia ser definida como terrorista. Acredita que existe a liberdade de expressom em Espanha e em Euskal Herria? É umha foto confusa. Espanha é umha democracia insegura que aceita muitas críticas e pontos de vista. Mas é verdade que ao mesmo tiempo a ilegalizaçom de partidos e o encerramento de jornais limita a liberdade de expressom. Logo som os juízes os que decidem se esta limitaçom é aceitável ou constitue umha violaçom. No que a mim diz respeito acho que, quiçá, o Estado espanhol foi demasiado longe nalguns casos. Na sua opiniom, a Lei de Partidos garante a liberdade de expressom? É demasiado ampla. Admite demasiadas leituras e, afinal, é pouco clara. A Lei de Partidos pode ser utilizada em contra da liberdade de expresom, mas nom diria que esse é o seu objectivo. Seria ir demasiado longe. Mas, na minha opiniom, ao ser demasiado ampla produz problemas. O que deveria mudar o Governo espanhol para garantir a liberdade de expressom? Propugem-lhes o exame dum experto sobre o Código Penal, assim como para melhorar e precisar a Lei de Partidos. Este experto analisaria como fazer que nom fosse tam débil, e como deixar menos espaço às leituras. O Governo espanhol deixou claro que nom suspenderá a incomunicaçom aos detidos, ignorando as suas recomendaçons. O que lhe parece a negativa? Nom som o primeiro em pedir tal cousa. Muitos expertos em Direitos Humanos dixérom o mesmo antes que eu. A maioria de Estados nom contempla medidas polo estilo. Espanha está-se aforcando com o da incomunicaçom. Mentres a utilize, os demais Estados e organizaçons de Direitos Humanos serám muito críticos com ela. De seguir assim, se estará debilitando a si própria à hora de defender-se das denúncias e falsas declaraçons de tortura. Eu pedim que suspendesse a incomunicaçom e, mentres nom o faga, que melhore as medidas para garantir o respeito dos direitos dos detidos. Para defender-se, Espanha mencionou as legislaçons de Inglaterra e França… Há umha grande diferença. Outros Estados limitam a eleiçom de advogado, mas podem eleger a um de confiança, o que descarta nengumha suspeita especial. Tenhem algumhas medidas especiais para os primeiros dias da detençom, mas nom um sistema de incomunicaçom. Aqui radica a principal diferença a respeito de Espanha. A maioria de Estados permite eleger um advogado de confiança desde o primeiro momento da detençom, que é umha das medidas mais úteis para evitar o mal-trato policial. Por isso, a atitude de Espanha é muito mais perigosa que a da maioria de Estados europeus. Como olha que a Ertzaintza volva a incomunicar? Como dixem, estou contra a incomunicaçom, que se deveria substituir por outras medidas. Portanto, nom, a noticia nom me alegrou. O que lhe parece que muitas denúncias de tortura nom se investiguen? Acho que, quando há umha denúncia de tortura, se deveria apraçar o juízo até esclarecer aquela. Nom me parece bem como se age em Espanha, investigar o delito num tribunal e a tortura em outro. Aliás, investigam-se muito poucas denúncias de tortura. Por isso diz que a ‘Audiencia Nacional’ pode ser um problema? Sim, entre outras cousas, mas há muitas mais razons. Primeiro, um só tribunal trata demasiados delitos. Deveriam estar mais repartidos. Segundo, tem demasiadas competências desde o primeiro momento da investigaçom e, finalmente, demasiado controlo. A ‘Audiencia Nacional’ está por cima dos países. Limita-se a possibilidade de recurso por serem o tribunal superior desde o início da investigaçom. Portanto, o direito a recurso nom é possível na sua totalidade. Por último, Madrid e o próprio reparto do contexto fam perigar a investigaçom do caso. Por todo isto, o Governo espanhol deveria pensar de novo em trabalhar os delitos de terrorismo pola via judicial ordinária. Como tomou o facto de que o Governo espanhol diga que, ao mencionar a ‘Audiencia Nacional’, se está metendo no que nom lhe concerne? O que dizer… O Governo espanhol diz que é a ele a quem corresponde estabelecer as suas instituiçons e legislaçons, que isso é parte da sua soberania. Na minha opiniom, está equivocado. Em qualidade de Relator especial da ONU, podo dar recomendaçons a qualquer estado, já seja para que modifique a lei ou para que, por exemplo, criem umha nova instituiçom o deponham outra. Som um experto em legislaçom internacional, sobretodo no campo dos direitos humanos e, portanto, tenho capacidade para faze-lo. Fago-o em muitos estados, e Espanha nom é umha excepçom. Por outra parte, sim, está claro que Espanha é soberana e eu nom estou a reformar a lei. Só dou umhas recomendaçons. Parece-lhe adequada a postura do Governo espanhol para melhorar em matéria de direitos humanos? É umha postura com umha duple cara: a muitos níveis Espanha é um referente, sobretodo a nível internacional, na promoçom do diálogo entre civilizaçons. Neste campo está fazendo um bom trabalho. Mas eu tenho problemas a respeito da legislaçom antiterrorista; utiliza demasiadas medidas restritivas e, aliás, Espanha conta com instituiçons que nom tenhem cabimento na democracia. O que opina quando o Governo espanhol diz que o seu informe é umha opiniom pessoal e que se baseou em feitos que nom estám fundados? Nom é assim. Som um experto independiente que se dedica a analisar as bases das legislaçons internacionais de direitos humanos. Analiso a lei que está vigente. A respeito do método de trabalho, tenho total liberdade para obter informaçom de qualquer fonte. Cabe assinalar que no meu informe nom há nada que o Governo espanhol nom tenha visto previamente. Apresentei-lhes o informe e tivérom meses para comentá-lo. Posteriormente, é a mim a quem corresponde decidir o que incluo em dito informe. É frequente que os governos reaccionem assim? É, sempre recebo críticas. A partir dai, é umha questom de intensidade e estilo. Mas devo dizer que a relaçom diplomática que mantivem nesta ocasiom foi boa. Tivemos interessantes discusions. Nom há enemizade, mas desacordo nalgumhas matérias. De cara ao futuro, acha que Espanha dará passos para cuidar melhor dos direitos humanos? Em geral, percebo umha boa atitude. Desde que mudou o Governo de EEUU, sobretodo, muitos estados admitírom que cometérom erros. Espero que Espanha também dé passos nesse sentido. O que fará a ONU após conhecer a resposta que Espanha deu ao seu informe? Nom creio que a Comissom de Direitos Humanos tome medidas especiais. No que a mim diz respeito, vou fazer un seguimento do caso. Mas acha vostede que deveria tomar medidas? Nom submeterán a Espanha a medidas de controlo como país especial. Nom estaria justificado. Nom sucederá.