Publicamos ‘Do Direito Penal de autor à aboliçom do Estado de Direito’ do advogado de militantes políticos Endika Zulueta

Editamos o artigo do advogado basco Endika Zulueta titulado ‘Do “Direito Penal de autor” à aboliçom do “Estado de Direito” que aparece publicado no portal ‘Carlos livre agora!’ quando se cumprem quatro meses do sequestro do cidadám galego Carlos Cela Seoane. Endika Zulueta é defensor habitual de militantes políticos nas salas do tribunal de excepçom espanhol e conhece como poucos letrados as revira-voltas jurídicas entre Justiça e política que existem nos escritórios, corredores e salas da ‘Audiencia Nacional’. Neste texto, Zulueta debulha sobre a implosom programada do Estado de Direito, a aboliçom progressiva de mecanismos que esta garantia -quando menos teoricamente- e a definiçom da dissidência política interior como ‘inimigo’ a abater, suspendendo, como vemos nos últimos tempos, qualquer tipo de garantias jurídicas para aqueles e aquelas militantes políticos que os tribunais de excepçom do Estado espanhol definam como “terroristas”. Um material que adicionamos a outros anteriores e através do que convidamos os nossos leitores e leitoras e umha reflexom que derive em consciência, compromisso e militáncia. Endika Zulueta, advogado DO “DIREITO PENAL DE AUTOR” Á ABOLIÇOM DO “ESTADO DE DIREITO” A «guerra contra o terrorismo» convertiu-se também na guerra contra as garantias que devem reger o Direito Penal. Nom é um simples retorno ao passado, é umha fase evolutiva nova na que o delinquente nom é cidadám, senom um inimigo Tras o 11 de Setembro a Administraçom estadounidense declarou a chamada «guerra contra o terrorismo», umha guerra sem precedentes, sem limite espacial ou temporal, e ante um inimigo difuso que vai sendo assinalado em funçom de escuros interesses políticos e/ou comerciais. Isto acelerou o estabelecimento de legislaçons destinadas a limitar ou suprimir direitos fundamentais, assím como a ampliar competências policiais e dar carta de impunidade aos serviços secretos. A maior parte dos estados do mundo aproveitárom a oportunidade para unir-se a esta guerra e empregá-la para reprimir as dissidências políticas interiores com maior impunidade. Assim, vinhérom-se justificando múltiplos actos de terror com a escusa de riscá-los de antiterroristas, desde cárceres secretos a «Guantánamos», desde a tortura à guerra preventiva. A estudadamente ambígua definiçom de terrorismo que recolhem a maioria das legislaçons mundiais, junto com o reconhecimento do inimigo no ámbito penal, conlevárom a aplicaçom do Direito penal do autor: tende-se a julgar, e condenar, as pessoas nom polo que fam senom polo que som. Desde esta perspectiva, a «guerra contra o terrorismo» convertiu-se também na guerra contra as garantias que devem reger o Direito penal. Nom é um simples retorno ao passado, é umha fase evolutiva nova na que o delinquente nom é um cidadám, senom um inimigo, e a fim da pena nom é a reinserçom social, senom o castigo e a vingança; o que era típico de estados autoritários aplica-se agora em estados formalmente democráticos. Em efeito, o Direito penal conhece dous polos nas suas regulamentaçons; por umha banda o trato com o cidadám, no qual a maquinaria penal espera que cometa um feito para reagir, e por outra o trato com o inimigo, ao que se combate pola sua perigosidade, reagindo a maquinaria penal antes de que este aja, justificando-se assim condenas preventivas (com o mesmo razonamento que as guerras preventivas). Identifica-se ao acusado como terrorista e ao terrorista como inimigo num contexto de guerra ao terrorismo, transferindo-se ao ámbito jurídico numha linguagem de guerra no que as garantias jurídicas brilham pola sua ausência. A pena já nom se aplica aos terroristas, senom ao terrorismo, transformando-se a sua imposiçom em mais umha arma dentro de dita confrontaçom. O Estado espanhol nom foi alheio a toda esta dinámica. Para além de amplas modificaçons penais (no 2003 impujo-se de facto a cadeia perpétua), engadidas à legislaçom antiterrorista existente dentro da legislaçom comum (penalidade desproporcionada aos chamados delitos terroristas, limitaçom dos direitos dos detidos, enjuizamento por tribunais especiais, incomunicaçons permanentes nas prisons), estám-se a dar importantes passos na aplicaçom do Direito penal do autor tras a Lei de Partidos e a qualificaçom de alguns adversários políticos como terroristas, e por ende inimigos, enjuizando-os polo mero feito de serem qualificados como tais, lembrando nalgumha medida o que sucedia neste país num período nom tam afastado (os nossos avós estivérom encarcerados por ser “rojos”, sem necesidade de realizarem feito algum). A ninguém se lhe escapa que actualmente se estám criminalizando condutas que eram consideradas impunes há muito pouco tempo. Encerram-se rádios e jornais, criminalizam-se e dissolvem-se organizaçons juvenis, associaçons de ajuda a presos e partidos políticos; por último enjuiza-se, e condena-se, por delitos de pertença a banda armada a pessoas que realizam actividades alheias a dita actividade ou que incluso repudiam o uso da violência como método político. As últimas modificaçons penais venhem eliminar de facto as diferenças entre participaçom e autoria, incluso entre fins políticos e colaboraçom com organizaçom terrorista, até que, como assinala o professor Cancio Meliá, «acadou-se o ponto no que ‘estar aí’ de algum jeito, ‘fazer parte’ dalgumha maneira», embora seja só com ausência de crítica, «é suficiente para ser considerado autor». Assim, à maioria de acusados nestes juizos nom se lhes imputa um acto criminoso concreto, senom tam só a sua participaçom laboral, política ou social nalgumha entidade riscada de terrorista, e nom é casualidade que nestes juizos os peritos policiais nom sejam expertos em armas senom em documentos (que só recolhem expressons dum pensamento, e o pensamento, lamentavelmente há que recordá-lo, nom delinque), o que antes era denominado «propaganda subversiva», e se apresentam como provas de cargo comportamentos individualmente nom delituosos que finalmente o som em base à alineaçom do autor num colectivo que se risca aleatoriamente de terrorista, qualificando-se assim de criminosas actividades que até o de agora eram símbolo do pluralismo político. Como assinala Raúl Zaffaroni, membro da Corte Suprema argentina, «o que verdadeiramente se está discutindo é se se podem diminuir os direitos cidadáns para individualizar aos inimigos. Se se legitima essa lesom, o estado de direito teria sido abolido». Evitá-lo, depende em parte de nós. Versom original tirada de: http://www.gara.net/paperezkoa/20080124/59173/es/Del-Derecho-penal-autor-abolicion-estado-derecho