Publicamos artigo de advogados cataláns sobre a blindagem legal de que se dotou a presença da bandeira espanhola

Recentemente, os meios de difusom maciça davam conta da detençom e ingresso em prisom do cidadám catalám e militante independentista Francesc Argemí ‘Franki’, acusado de retirar umha bandeira de Espanha na vila de Terrassa. O ‘Caso Franki’ reabriu o debate social por volta dumha simbologia que, questionada e ilegítima para dezenas de milhares de galegos e galegas, protege e perpetua a sua presença pública por meio de protecçom policial e dumha dura legislaçom penal e encena o conflito de fundo entre identidades e soberanias em que vivemos. Os advogados cataláns Gerardo Pisarello e Jaume Asens reflitem no seu artigo a respeito da protecçom penal de que se dotou a simbologia espanhola, do tratamento diferencial que esta recebe frente às simbologias ‘autonómicas’ e desse “uso prepotente e nom poucas vezes violento” da simbologia do país vizinho na Galiza que é umha das principais fontes do seu rechaço social. Publicamos na íntegra ‘A blindagem penal da bandeira espanhola: notas sobre um despropósito’ ‘A BLINDAGEM PENAL DA BANDEIRA ESPANHOLA: NOTAS SOBRE UM DESPROPÓSITO’ Com a polémica sobre injúrias à coroa ainda viva, a condena a 31 meses de prisom a Francesc Argemí, o jovem independentista catalám que despendurou umha bandeira espanhola em Terrassa, reabriu o debate sobre a protecçom das instituiçons e símbolos do Estado. Os defensores da sançom a ‘Franki’, entre os que despontárom alguns conspícuos dirigentes do Partido Popular, assinalam que a protecçom reforçada da bandeira espanhola é necessária para garantir a convivência e a unidade nacional. Também sustentam que quem atentam contra ela son “radicais” que nom exprimem ideias mas incorrem em actos de “incitaçom à violência”. Este tipo de juízos, no entanto, oculta factos e incorre em duplos raseiros difíceis de soslaiar. O mais evidente é que a bandeira espanhola, ao igual que a unidade do Estado, nom se encontram desprotegidas, mas zelosamente blindadas polo sistema político. Em primeiro lugar, polo que o británico Michael Billing chamou o “nacionalismo banal”. Este tipo de nacionalismo poucas vezes é admitido por quem o exercem. No entanto, opera através de mecanismos quotidianos como a presença dos símbolos do Estado em edifícios oficiais, moedas, competiçons desportivas ou singelamente no vocabulário assumido acriticamente por meios de comunicaçom, políticos e personagens públicas, entre outros. Em segundo lugar, polo próprio aparato coactivo estatal. Segundo a lei de bandeiras de 1981, a insígnia espanhola é signo de “unidad e integridad de la patria”. A preservaçom destes valores é a finalidade que a Constituçom espanhola encomenda ao exército no seu artigo 8, um precepto sem parangom no ámbito europeu que reproduz quase sem modificaçons o artigo 38 da ‘Ley Orgánica’ do Estado franquista. Também som estes os bens jurídicos que protege o delito de ultragem à bandeira. Nom por acaso, este tipo penal encontra-se sintomaticamente situado junto ao de “ofensas a España”, e as suas origens podem rastejar-se na ‘Ley de Seguridad’ do Estado franquista, de 1941. Esta normativa foi profusamente utilizada para perseguir os chamados actos de “traiçom espiritual” à Naçom espanhola, como as proclamas de “vivas” o “mueras”; as primeiras, geralmente, referidas a Euskadi, Catalunha ou Galiza, e as segundas, a Espanha. Em teoria, também as banderas autonómicas goçam, na actualidade, de protecçom jurídica. Na prática, no entanto, os únicos agrávios perseguidos, apresentados como desordens públicas e sancionados de maneira exemplar, som os relacionados com a bandeira bicolor. Toda a jurisprudência do delito fai referência a ultragens à naçom espanhola ou ao sentimento da sua unidade indivisível. Em cámbio, os grupos de extrema direita que ultrajam símbolos catalans ou bascos, amiude de forma disruptiva, rara vez soem ter problemas com a justiça. A asimetria é evidente e a própria lei dá pé a que se produza. Em 2002, o Partido Popular impulsionou um pacto com o PSOE que asegurasse a presença na Plaza Colón de Madrid dumha bandeira espanhola de quase trescentos metros quadrados num mastro de cinquenta metros de altura. O objectivo era que o exército a içasse, entre outros actos, durante o onomástico de Juan Carlos I e o ‘Día de la Hispanidad’, até há pouco conhecido como ‘Día de la Raza’. Dessa maneira, tentava-se de refletir o “lugar preferente e de honor” que a lei de 1981 reserva à bandeira espanhola em relaçom com qualquer outra autonómica, que nunca “poderám ter maior tamanho” (artigo 6). Os intentos de minimizaçom dos símbolos autonómicos estendem-se igualmente a outros com importante carga histórica, como os republicanos. O republicanismo, como o independentismo, som ideários políticos considerados legítimos polo próprio sistema constitucional espanhol. Apesar disto, o Ministério Fiscal solicitou recentemente umha severa pena de prisom para o activista madrileno Jaume d’Urgell, quem, num acto simbólico de “restituiçom democrática”, substituiu num edíficio público a bandeira ‘rojigualda’ por umha tricolor. Há pouco, também, a Guarda Civil irrompeu num local de Izquierda Unida em Medina Sidonia, Cádiz, para incautar umha bandeira republicana pola sua suposta “inconstitucionalidade”. Todo isto mentres a bandeira franquista –a que leva o escudo com o águia de San Juan incluida- ondeia sem maiores moléstias em manifestaçons da Igleja ou da direita política, assi como na fachada de locais regentados por nostálgicos da ditadura. Num contexto assi, apresentar a crítica ao que a bandeira espanhola representa como gratuitas manifestaçons radicais que incitam à violência resulta um reducionismo pueril. Mais bem, estas críticas som a reacçom ao uso prepotente e nom poucas vezes violento dum símbolo que, embora remoçado, segue a representar para muitos umha herança do regime franquista. A utilizaçom da bandeira como arma arrojadiza por parte da direita mais recalcitrante nom fai mais que confirmar esta percepçom. Avonda com a esperpéntica exibiçom da pena de Perejil ou recordar as arengas patrioteiras de Mariano Rajoy quando pedia “sem aspaventos, mas com orgulho” sacar às ruas as bandeiras ‘rojigualdas’ para “celebrar” o 12 de Outubro. Em 1989, o Tribunal Supremo dos Estados Unidos considerou, no caso Johnson v. Texas, que a queima da bandeira por razons políticas devia entender-se como um exercício simbólico de liberdade de expressom e nom como um acto de incitaçom à violência. Até o muito conservador juíz Antoni Scalia subscrebeu o falho, que o juíz William Brennan motivou com um argumento decissivo: as críticas à bandeira, incluida a sua queima, deviam admitir-se precisamente porque a bandeira dos Estados Unidos pretende, ante todo, ser um símbolo de liberdade. Desde entom, os sectores conservadores tentárom de maneira infrutuosa impulsionar umha reforma constitucional da Primeira Emenda que desactivara este precedente. Quando se coteja esta realidade com a espanhola, os interrogantes son inevitáveis: o que simboliza umha bandeira que necessita dotar-se dumha coiraça institucional e penal tan desmessurada? O que vira tam grave, como cantava George Brassens, o pecado de nom “seguir ao abandeirado”? Gerardo Pisarello é professor de Direito Constitucional da Universidade de Barcelona Jaume Asens é membro da Comissom de Defesa do Colégio de Advogados de Barcelona