Publicamos ‘Obsessom securitária e populismo punitivo’, um artigo do professor de Direito Penal da UDC José Á. Brandariz

Temos incidido em mais de umha ocasiom na ideia básica de que a repressom e o sistema repressivo no seu conjunto nom agem apenas no ‘dia D’ dos factos mais espectaculares ou quando a repressom se fai socialmente visível, como é o caso de acçons de violência policial, detençons, processamentos e encarceramentos. Todo ao contrário, a repressom trabalha habitualmente neste País que alguém riscou de espaço no que se desenvolve um ‘conflito de baixa intensidade’ através de um largo abano de mecanismos ‘surdos’ e tam efectivos como pouco analisada é a sua complexidade. Umha das estratégias que, com certeza, resultam mais produtivas para a legitimaçom social e potencializaçom material e simbólica do sistema repressivo é a agitaçom mediática e institucional de determinados factos, como os delitos de pederastia, os roubos, as violaçons, as agressons, etc. que, convintemente tratados, se convertem em ferramentas para coesionar por volta dumha autoridade duvidosamente legítima umha sociedade fragmentada e insegura. Nesta procura permanente de análises e argumentos para enfrontar a obsessom securitária que se nos inocula, e que ante qualquer problemática aposta no aumento do controlo social, o endurecimento penal e penitenciário e a gestom policial de todos os ámbitos da vida comunitária –violência de género, menores, sinistralidade laboral, ambiente, tránsito, juventude, consumo de drogas, espectáculos desportivos, etc., etc.-, achamos que o breve artigo que publicamos hoje achega algumhas luzes a esta necessidade. O seu autor é José Ángel Brandariz Garcia, professor de Direito Penal da UDC, e o texto aparece publicado no nº 76 do jornal estatal ‘Diagonal’. – – – – – – – – – – – – – – – OBSESSOM SECURITÁRIA E POPULISMO PUNITIVO José Ángel Brandariz García O denominado caso Mari Luz é a enésima reediçom da obsessom securitária que atravessa as nossas sociedades. E pode muito bem valer para aproximar-se às razons que explicam que um facto semelhante se convirta em principal preocupaçom pública durante um lapso de tempo significativo. Tais razons podem achar-se no marco de sentido (frame) que, em relaçom com as questons da segurança pessoal –entendida no seu sentido mais reducionista–, se construe a meio da interacçom de diversas instáncias. – A cidadania, que canaliza face os factos próprios da criminosidade contra interesses individuais todo um conjunto de ansiedades produto dum tempo histórico caracterizado pola incertidume. A obsessom securitária exprime o desejo de encontrar a segurança perdida, em todos os planos da vida, num tempo de mutaçons aceleradas. Deste modo, a demanda dirigida aos poderes públicos para confrontar factos como os citados permanece perpetuamente insatisfeita: nom apenas porque, como é óbvio, nunca se pom fim a esse tipo de factos delitivos, mas porque naquela demanda vai ínsito o desejo de recuperar certidumes vitais definitivamente ultrapassadas. Como toda pulsom insatisfeita, a obsessom securitária autoperpetua as suas próprias ansiedades. – Os meios de comunicaçom maciça, que dotam dumha resonáncia formidável determinados factos, tendendo a situá-los no centro das preocupaçons colectivas. Esta centralidade no mercado comunicativo de tais sucessos é devida a múltiplos factores, como a facilidade para enquadrá-los em narrativas simplistas de fácil consumo, a aparente neutralidade política dos mesmos, a facilidade de apresentaçom em termos emocionais, e os evidentes réditos comerciais que se derivam das estratégias comunicativas de alarme. Seja como for, se bem os meios convencionais nom criam unidimensionalmente a obsessom securitária, dam grande resonáncia aos factos que permitem solidificar tais ansiedades. – Os governos e responsávels da segurança pública, que soem afrontar este género de sucessos com as retóricas e práticas do que se dou em chamar populismo punitivo. A única oferta na matéria é a permanente inflaçom da severidade da resposta em termos de castigo, com independência de que isso resulte ou nom funcional. A obsessom eleitoral, o desejo de acomodar-se à ridícula crença social na benignidade do sistema penal, as urgências políticas –que impedem por em andamento soluçons mais complexas– ou a preocupaçom por encenar um poder soberano que irremissivelmente se dispersa som algumhas das razons que explicam tais plantejamentos governativos. Se no caso Mari Luz o guiom preescrito nom funcionou exactamente assi, isso apenas é devido a umha obviedade bem conhecida polos responsáveis políticos: o sistema penal espanhol é dumha severidade formidável, claramente superior à dos Estados do seu contorno; mais em concreto, a prisom no Estado espanhol já é materialmente perpétua, em maior medida do que sucede naqueles sistemas que estabelecem formalmente tal castigo. E a pederastia? Pouca releváncia tem na análise deste caso. Os pederastas apenas som mais um dos inimigos interiores que exprimem a obsessom securitária, como sucessiva ou coetaneamente o som terroristas, migrantes ou maltratadores. Toda sociedade procura –e encontra– os seus próprios chivos expiatórios, numha procura permanentemente insatisfeita da coesom perdida.