Publicamos novo texto do sociólogo belga Jean-Claude Paye sobre a imposiçom dum “estado de excepçom permanente” nos USA

Publicamos hoje traduzido ao galego um novo trabalho do sociólogo belga Jean-Claude Paye sob o título ‘Estados Unidos: do estado de urgência para o estado de excepçom permanente’. Trata-se nesta ocasiom dum documento em que Paye descreve detalhadamente como, após a última renovaçom da ‘Patriot Act’, a lei imposta nos Estados Unidos “como necessária resposta a umha situaçom de urgência” trás o 11-S de 2001, determinadas disposiçons que suspendérom as liberdades públicas e individuais adoptam carácter permanente. A leitura deste documento, que recomendamos vivamente dada a transparência com que aborda os acontecimentos que se estám a desenvolver nos USA neste momento e a descriçom objectiva da sua gravidade, leva um tempo aproximado de 15 minutos. Pode-se observar nos factos como instrumentalizando o 11-S nos USA assiste-se a umha deconstruçom do chamado ‘Estado de Direito’, acrescentando as prerrogativas do FBI sobre as liberdades democráticas individuais e colectivas e alargando a impunidade do aparelho repressivo até estremos desconhecidos há muito tempo. Do trabalho anti-repressivo em chave nacional o interesse directo nesta temática deriva-se na nossa opiniom de que os processos judiciais, penais e repressivos em geral que se desenvolvem nos Estados Unidos som transportados habitualmente à Europa Ocidental através de poderosos ‘think tanks’ –laboratórios de ideias-, como se tem demonstrado, particularmente, a respeito do modelo penitenciário e penal. De facto, a redefiniçom institucional abrangente do conceito de ‘terrorismo’ no Estado espanhol e as políticas repressivas que dela se derivam seriam provavelmente inconcebíveis sem aludir a tendências a nível mundial como as que Jean-Claude Paye descreve neste artigo. Estados Unidos: do estado de urgência ao estado de excepçom permanente O 11 de Setembro nom foi outra cousa que um pretexto para suspender, primeiramente de forma temporal e depois definitivamente, numerosas liberdades públicas e individuais em Estados Unidos. A renovaçom da Patriot Act permitiu outorgar um carácter duradeiro a umha série de medidas que, no momento da sua adopçom em 2001, fôrom apresentadas como a necessária resposta a umha situaçom de urgência. As medidas de excepçom que tomou o governo estadounidense, após os atentados do 11 de Setembro de 2001, basam-se no voto do Congresso que estipula «que o Presidente está autorizado a utilizar toda a força necessária e apropriada contra as naçons, organizaçons o pessoas que planificárom, autorizárom, cometérom ou ajudárom [a cometer] os atentados terroristas ocorridos o 11 de Setembro de 2001…» [1]. A Patriot Act autoriza portanto a encarceramento, sem juízo nem apresentaçom de cargos e por tempo indeterminado, de estrangeiros suspeitos de terrorismo, assi como a instauraçom dumha vigiláncia generalizado sobre a populaçom. Algumhas destas medidas de controlo som de carácter permanente. Outras fôrom aprovadas por votaçom para um período de 4 anos. Estas últimas, enumeradas em 16 artigos, expiravam a finais de 2005 [2]. Para poder prolongá-las, havia que submete-las a um voto das duas Câmaras para que estas autorizassem a sua reinstalaçom. A Patriot Act Reauthorization Se o voto de aprovaçom da Patriot Act se produziu de forma muito rápida, nom sucedeu o mesmo com a sua renovaçom. O presidente George W. Bush nom pudo assinar «The Patriot Act Improvement and Reauthorization Act [3] até 9 de Março de 2006. A resistência organizou-se a nível do Senado e vários senadores acudírom incluso ao sistema conhecido como «do filibusteiro», que consiste em conservar o uso da palavra para impedir o voto. Embora este interminável processo permitiu por primeira vez que se produzisse umha discussom parlamentar sobre o conteúdo e as consequências da mencionada lei, o projecto governamental acabaria sendo adoptado. As disposiçons que contém a Patriot Act estendem consideravelmente as prerrogativas do poder executivo e, principalmente, as do FBI. As poucas modificaçons incluidas, através do procedimento de renovaçom da lei, están longe de restabelecer o equilíbrio em favor do poder judicial. Os que se oponhem à Patriot Act queriam estabelecer medidas de controlo tendentes a garantir as liberdades individuais, enquanto o governo queria aproveitar o voto para reforçar as prerrogativas do FBI. As discusons estendérom-se durante uns 10 meses mas o governo logrou evitar a imposiçom de controlos judiciais às disposiçons permanentes renovadas durante esse processo e conseguiu que 14 medidas temporais, adoptadas em 2001 como procedimentos de urgência, se convirtissem em disposiçons permanentes. Prolongou-se assi o artigo 213, um procedimento permanente que estabelece técnicas investigativas muito intrusivas, denominadas «sneak and peek». Em virtude de dito procedimento o FBI está autorizado a penetrar num domicílio ou escritório em ausência do seu ocupante. Durante esta investigaçom secreta, os agentes federais estám autorizados a tirar fotos, a examinar o disco duro dumha computadora e a introduzir nesta um dispositivo digital de espionagem conhecido como «lanterna mágica». Depois da sua instalaçom este sistema regista toda a actividade informática, embora esta nom seja transmitida por Internet. Esta possibilidade existe já no procedimento criminoso clássico, mas está submetida à obtençom dumha autorizaçom provinte dum tribunal e os agentes estám obrigados a notificar imediatamente a sua aplicaçom à pessoa interessada. Com a Patriot Act o prazo de notificaçom ampliou-se a 3 meses ou mais, se se obtém a autorizaçom dum tribunal. Aliás, o governo tinha a possibilidade de pospor a notificaçom por tempo indefinido por razons de «segurança nacional». O que se decidiu durante o processo de renovaçom foi implantar o envio obrigatório dumha notificaçom num prazo de 30 dias [4]. Também se prorrogou o procedimento permanente estabelecido na cláusula 505. Esta alarga as possibilidades, concedidas ao FBI e a diversas administraçons, de obter «cartas de segurança nacional», umha forma de citaçom administrativa que proporciona acesso a dados pessoais, médicos, financeiros, dados de agências de viagens, de aluguer de autos e dos casinos, assi como a ficheiros de bibliotecas [5]. Antes da adopçom da Patriot Act, as «cartas de segurança nacional» limitavam-se aos casos de pessoas «vinculadas a umha potência estrangeira». A secçom 505 alarga a capacidade do FBI para a obtençom de dita autorizaçom fora desse marco. O campo de utilizaçom de dito procedimento estende-se assi amplamente a toda actividade criminosa. Durante os debates parlamentares pudo-se saber que o governo está utilizando cada ano 30 000 «cartas de segurança nacional» desde os atentados do 11 de Setembro. [6] Um estado de urgência permanente As medidas estabelecidas nos artigos 212 e 214 tinham um carácter temporal e convertérom-se em permanentes. O artigo 212 autoriza as companhias telefónicas e os provedores de acesso a Internet a proporcionar ao governo o conteúdo e o registo das comunicaçons, se ditas companhias estimam que tais dados implicam um perigo de morte ou constituem um «delito grave». Nom há controlo judicial, como pudera ser a análise por parte dum tribunal dos resultados da transmissom de informaçons provintes do operador. Tampouco se estabelece notificaçom algumha de dita medida à pessoa interessada. As informaçons obtidas por esta via poderám ser utilizadas em investigaçons criminais e nom só em matéria de terrorismo. A secçom 214 facilita a obtençom, por parte do FBI e no marco da Foreign Intelligence and Security Act de 1978, dos dados sobre as conexons electrónicas entrantes e saintes. Nom se exige para isto nengum tipo de mandado judicial. Antes da Patriot Act, o governo tinha que provar que a pessoa vigilada era agente dumha potência estrangeira. Agora simplesmente tem que notificar que a informaçom interceptada tem «relaçom» com umha investigaçom vinculada ao terrorismo. A vaguidade de dita qualificaçom permite justificar qualquer investigaçom. Também passou ser permanente o artigo 209. Este alarga a possibilidade de proceder legalmente à intercepçom de mensagens vogais. Antes da Patriot Act, exigia-se um mandado judicial para poder proceder à captura deste tipo de mensagens a partir dum contestador instalado num domicílio. As mensagens vogais enviadas por um provedor de serviços exigiam a obtençom dumha ordem provinte dum tribunal. Essas autorizaçons proporcionam mais protecçom do que umha simples ordem de investigaçom concedida prévia notificaçom de que existe «presunçom razonável que permite pensar que se vai cometer um delito». A secçom 209 modifica a lei para permitir o processamento das mensagens vogais como simples mensagens electrónicas. A possibilidade de intercepçom alarga-se assi consideravelmente. Qualquer fiscal tem a possibilidade de conceder, em qualquer momento, esse tipo de autorizaçom. Se os dados se obtenhem a partir de mensagens enviadas, em vez de realizar-se a partir dum atendedor situado num domicílio, a intercepçom pode levar-se a cabo sem notificar a pessoa interessada. O artigo 218, que também se converte em permanente, autoriza a realizaçom de investigaçons secretas num domicílio ou escritório, se existe «presunçom razonável» que permita pensar que dito domicilio ou escritório pode conter informaçom relativa à actividade dum agente dumha potência estrangeira, sem que exista necessariamente prova algumha ou indício dum delito. Os agentes obtenhem umha ordem dumha corte secreta, instaurada pola FISA [7]. Antes da Patriot Act, os agentes federais tinham que certificar que o objectivo primário da investigaçom estava vinculado à obtençom de informaçom vinculada com o estrangeiro. O artigo 218 reduz dita obriga já que os agentes nom terám mais que declarar que a obtençom de informaçom vinculada com o estrangeiro é um «objectivo significativo» da investigaçom [8]. O artigo 207 alarga de 30 dias para 6 meses, com possibilidades de renovaçom que podem chegar a um ano, o tempo durante o qual se podem utilizar conexons, em matéria de informaçom vinculada com o estrangeiro, antes de que exista a obriga de pedir umha autorizaçom a um tribunal. Esta disposiçom também adquiriu um carácter permanente, ao igual que a do artigo 216, que permite que um juíz federal ou um magistrado de outra jurisdiçom estendam umha ordem para poder registar os dados entrantes e saintes que passam por umha conexom electrónica. Em dita ordem nom se precisa a direcçom IP afectada. Este tipo de ordem pode-se obter em qualquer lugar do território estadounidense. Trata-se dum verdadeiro cheque em branco que se outorga aos agentes federais. Para obter a autorizaçom, o agente federal nom tem mais que certificar que a informaçom que procura resulta «pertinente na investigaçom dum crime em execuçom». O juíz está obrigado a outorgar a autorizaçom no momento de receber a certificaçom, embora nom esteja dacordo com o procedimento em andamento. Identidade entre labor de inteligência e investigaçom criminosa O processo de renovaçom da Patriot Act também permitiu prolongar por 4 anos mais a secçom 6001 da Intelligence Reform and Terrorism Prevention Act de 2004, que autoriza a vigiláncia de pessoas isoladas, suspeitas de ser terroristas [9]. Supom-se que estes indivíduos, designados como «lobos solitários», embora vinculados ao terrorismo internacional, agem sós. O mencionado artigo redefine a noçom de «agente dumha potência estrangeira» incluindo nesta às pessoas implicadas no «terrorismo internacional» ou em «actividades terroristas em preparaçom». Isto é, para ser considerado agente dumha potência estrangeira já nom é necessário estar em contacto com dita potência. Essa disposiçom aplica-se às pessoas que nom tenhem a cidadania estadounidense. Também se prolongan por um novo período de 4 anos as medidas que aparecem nos artigos 215 e 206 da Patriot Act. A secçom 215 permite, prévia obtençom dumha autorizaçom secreta provinte dum tribunal, que o FBI tenha acesso aos dados médicos, contas bancárias, dados sobre empréstimos em bibliotecas ou a «toda cousa tangível» sem que os investigadores tenham que demonstrar que a investigaçom está ligada a factos vinculados ao terrorismo ou com algumha potência estrangeira. O FBI tem que assinalar que pida ordem para realizar umha investigaçom de inteligência vinculada com o exterior ou com o terrorismo, mas sem ter que precisar a existência de «presunçom razonável» sobre a existência dum vínculo entre os dados solicitados e umha potência estrangeira. As pessoas interessadas nom podem falar com ninguém sobre dita acçom. O acordo adoptado permite-lhes opor-se a este procedimento ao termo dum prazo dum ano. Introduz-se assi um processo formal de oposiçom que nom existia anteriormente. No entanto, o governo tem a possibilidade de impedir dito processo por razons de segurança nacional [10]. Quanto ao artigo 206, este autoriza a utilizaçom de conexons «nómadas». Os agentes do FBI nom están obrigados a identificar ao suspeito para poder obter a autorizaçom que lhes permite instalar os seus dispositivos de vigiláncia das comunicaçons. Instala-se umha conexom «sob cobertura» no conjunto de telefones instalados na redonda da pessoa objecto da vigiláncia, sem que seja necessário demonstrar que a pessoa vigilada utiliza esses aparatos. Isso explica por que esse tipo de dispositivo é chamado conexom «John Doe» [equivalente em inglés do termo “pessoa nom identificada”. Nota do Traductor]. Como nom está obrigado a identificar ao indivíduo objecto da vigiláncia, o governo pode vigilar legalmente o telefone de qualquer pessoa, sem ter que demonstrar que essa pessoa mantém algum tipo de vínculo com umha potência estrangeira, com o terrorismo ou que tem algum contacto com qualquer tipo de actividade criminosa. Antes da Patriot Act, as conexons «nómadas» só podiam utilizar-se em investigaçons criminosas, incluindo o terrorismo, mas nom estavam permitidas em investigaçons de inteligência. A investigaçom criminosa compreende umha série de medidas de resguardo em matéria de protecçom da vida privada. Para estabelecer esse tipo de conexom há que especificar a identidade da pessoa vigilada ou do telefone vigilado. Para passar dum aparato a outro, o governo tem que certificar que o sujeito identificado na ordem está utilizando actualmente esse aparato. Com a Patriot Act, as conexons nómadas que passam dum aparato para outro autorizam-se em matéria de inteligência, como investigaçons sob FISA, sem incluir ditas medidas de protecçom. A Patriot Act, específicamente os seus artigos 206 e 215, generaliza, no conjunto de matérias criminosas, várias disposiçons estabelecidas, em matéria de espionagem, pola Foreing Intelligence Surveillance Act de 1978. Esta última lei confire à administraçom poderes excepcionais em ditas matérias ao substrazer os actos da administraçom a um verdadeiro controlo judicial, para além da autorizaçom –prévia e sem seguimento– que concedem tribunais de excepçom, a miúde secretos. A Patriot Act disolve a diferença entre investigaçom criminosa e labor de inteligência permitindo ao FBI a realizaçom de investigaçons no marco do chamado Título III (matéria criminosa) e a obtençom das autorizaçons necessárias sob os procedimentos e com as garantias reduzidas da FISA. Também estabelece autorizaçons permanentes para o intercámbio de informaçom entre agências de inteligência e serviços de polícia, o que permite rebasar as barreiras administrativas que impedem tais conexons. O artigo 905 autoriza ao secretário de Justiça (Attorney General) a recorrer ao director da National Inteligence para proporcionar provas obtidas a meio de procedimentos de inteligência, como as investigaçons realizadas sob falsa identidade, num processo judicial. O artigo 504 autoriza a entrega de informaçons FISA às divisons criminosas [11]. O Departamento de Justiça admitiu que enviou perto de 4500 expedentes FISA à divisom criminosa. Desconhece-se a quantidade de acçons legais empreendidas [12]. A renovaçom da Patriot Act permite outorgar um carácter duradeiro a medidas que, no momento da sua primeira adopçom –em 2001– tivérom como argumento justificativo a existência dumha situaçom de urgência. Ao se converter em disposiçons permanentes, estas medidas intrusivas de vigilancia convertem-se na base da nova ordem política que outorga à administraçom umha série de prerrogativas pertencentes ao poder judicial. No entanto, contrariamente à primeira versom, aprovada pola Câmara de Representantes em Junho de 2005, a forma jurídica adoptada segue a ser a do estado de excepçom permanente, nom directamente a da ditadura. A resistência do Senado permitiu conservar e introduzir algumhas possibilidades formais de controlo e de interpor recursos judiciais, sem que essas possibilidades afectem realmente as prerrogativas do FBI e do governo. NOTAS: [1] Authorization for Use of Military force, Pub. L. 107-40, &&1-2, 115 Stat. 224. [2] «USA Patriot Act Sunset», Electronic Privacy Information Center. [3] H.R. 3199, versión final. [4] Sen.John E. Senunu, «Patriot Act deal balances liberty, security, Washington Memo, February, 12, 2006. [5] «National Security Letters and your Privacy», ACLU. [6] Idem. [7] A Foreign Intelligence and Security Act de 1978 estabelece umha Corte Especial encarregada de autorizar a realizaçom de operaçons de vigiláncia sobre «agentes dumha potência estrangeira». Trata-se dumha corte secreta que se compom de 11 magistrados designados polo secretário de Justiça. Fonte: Electronic Privacy Information Center. [8] «Memo to interested Persons Outlining What Congress Should Do About the Patriot Act Sunsets», ACLU, March, 28, 2005. [9] Intelligence Reform and Terrorism Prevention Act of 2004; «Lone Wolf» Amendement to the Foreign Intelligence Surveillance Act. [10] «Conyers calls Patriot Act reauthorization ’dangerous’», February, 28, 2006. [11] Kate Martin, «Why Section 203 and 905 Should be Modified», American Bar Association’s Patriot Debates. [12] Oversight answers, submitted by Jamie E. Brown, Acting Assistant Attorney General, May 13, 2003, on file with the House Judiciary Committee.