Publicamos as postagens do preso independentista Ugio Caamanho entre 2 e 7 de Janeiro

Continuamos a editar o blogue que elabora desde a prisom de Navalcarnero o patriota galego Ugio Caamanho, recluido nesse centro penitenciário espanhol a centos de quilómetros da Galiza e em vulneraçom permanente do seu direito a passar a prisom preventiva num cárcere radicado na CAG. Tanto o blogue do preso independentista quanto o de Giana Rodrigues, ambos detidos o passado 23 de Julho, localiza-se no endereço http://www.com-os-pes-na-terra.blogspot.com/ Segunda-feira, 2 de Janeiro de 2006 Já nom me mantém alerta a sensaçom permanente de instabilidade. Já nom entro na cela com o desassossego de pensar que pode vir um carcereiro e dizer-me ‘arrume as suas cousas que se vai de conduçom’. Levo quase quatro meses nesta paisagem, com estes presos, estes muros, estes carcereiros, este cheiro. Estou afeito… Pronto, a este cheiro nom, a isto nom há quem se afaça. Vivo mais tranqüilo: a situaçom de alerta cansa muito, e todos precisamos de certa estabilidade. Mantém-se, porém, em todas as outras ordens da vida. Em qualquer momento ouves o teu nome polo altofalante, várias vezes ao dia de facto. Em qualquer momento essa chamada poderia responder nom ao reparto da correspondência ou a devoluçom de instáncias (“No procede”), mas à notificaçom de partes ou sançons de isolamento, ou a algumha pequena maldade que se lhe ocorresse de súbito a um porco. Em qualquer momento chega um papel do juíz, com a petiçom fiscal ou algo assim. Em qualquer momento aparece um preso espanholíssimo com intençom de por-te no teu sítio, e já está liada. Dizem que um pode reconhecer um ex preso por certa contracçom dos ombros, como se estivesse sempre à espera dum golpe que pode chegar de qualquer parte. Talvez seja certo, mas nom mais do que outras condiçons geram outras taras, mais duras em ocasions: também um mineiro deve ter os nervos feitos de pó, ou um marinheiro, ou um albanel, ou um precário. A vulnerabilidade do preso é insuportável mais do ponto de vista ético, por desnecessária e por ser obra do Estado, do que pola dureza física ou psicológica. Pode-se viver e sobreviver assim, como se pode em trabalhos mais arriscados e estressantes. Mas cumpre sublevar-se quando este é um estrês planificado meticulosamente para minar a humanidade e até a saúde mental do recluso. Ah, por certo! Fernando, o asturiano, ficou em liberdade sob cauçom! Isso sim foi umha notícia magnífica e surpreendente. Seguro que quando lhe apareceu o carcereiro na cela e começou a dizer ‘Arrume as suas cousas que se vai…’ ao Fernando caiu-se-lhe a alma aos pés, pensando numha cunda a umha outra cadeia. E porém mira tu, para casinha! Parabéns, companheiro, e que nom tenhas que voltar mais! Quarta-feira, 4 de Janeiro de 2006 “O dispositivo da solicitude é umha herança dos campos de concentraçom, que funciona ainda nos cárceres e nas demais instituiçons totais. A pessoa internada deve solicitá-lo todo, e aquilo que solicita pode ser concedido ou nom ao arbítrio e a discreçom de quem gere a instituiçom. Para comprar alimentos ou pasta de dentes, para poder ter umha visita ou umha conversaçom telefônica, (…), para qualquer cousa em qualquer cárcere o recluso tem que cubrir um impresso, umha solicitude, dirigido à direcçom: «O abaixo assinante roga de V.I. que lhe permita…». Este módulo relacional define um determinado regime de enunciaçom bem como umha hierarquia precisa que conleva um solicitante e alguém que concede. (…) A fonte de autorizaçom dos comportamentos, que normalmente reside no interior da pessoa, despraça-se desta maneira ao exterior, eliminando qualquer possibilidade de autonomia de decisom. A sensaçom absoluta que tem o recluso é a de encontrar-se nas maos de um poder absoluto, um poder que decide sobre a sua vida e a sua morte”. Todo o anterior verifica-se aqui, podo assegurá-lo. Mas o interessante é que este texto pertence a um livro, intitulado “A empresa total”, onde o que se estuda som as relaçons laborais em empresas de distribuiçom e comercializaçom, principalmente hipermercados. A mençom aos procedimentos penitenciários nom é casual nem simples provocaçom, a contrário: descreve à perfeiçom o controlo total sobre os trabalhadores e trabalhadoras, especialmente trabalhadoras, por parte da empresa, e ilustra-o muito bem como o sistema humilhante que regula como e quando podem ir as caixeiras à casa de banho. O autor sabe bem do que fala. Chama-se Renato Curcio, e fundou e dirigiu as Brigadas Vermelhas até que caiu, depois estivo preso uns vinte anos, boa parte deles em isolamento. Todo para sair e achar a prisom fora da prisom, na vida quotidiana! Naturalmente a cadeia é umha forma de dominaçom abominável que devemos combater, mas interessa dar-se boa conta de que nom é um mundo dumha dureza muito superior à que todos padecemos diariamente. E pode ver-se superada mesmo por situaçons tam quotidianas e tam invisíveis como as das caixeiras do Dia, ou as empregadas de Zara, ou os dependentes do McDonald´s, onde o domínio total e despótico da “máquina” se reforça pola necessidade de conservar o emprego, dando lugar às piores degradaçons, tanto na forma de “encarregados” psicópatas como de empregados com mentalidade de escravos. Conta-me o Eduardo que há anos um “encarregado” dum Telepizza em Madrid gozava humilhando os trabalhadores, submetendo-os a umha situaçom de pánico total. Um dia aparecêrom na loja um grupo de “radicais” que deitárom ao chao toda quanta comida havia, e depois assinalárom o dictatorzinho: Tu, limpa-o. Todo diante dos clientes e empregados, claro. O gajo deveu considerar as opçons, o escándalo, a possibilidade de receber certa violência até, e acabou por encolher-se e limpar a desfeita entre o riso dos clientes e o silêncio cúmplice dos empregados. Nom se me ocorrem muitas mais maneiras de restituir certo equilíbrio, à balança das relaçons laborais, quando a vantagem e prepotência dos poderosos é tam insolente como nestes casos. Ou isso, ou seguir toda a vida esperando polo permisso para ir mijar. Quinta-feira, 5 de Janeiro de 2005 “Que nom se trata de simples perguntas retóricas demonstra-o bastante bem o «experimento da prisom» que realizou Philip Zimbardo, um investigador da Universidade de Stanford, a pricípios da década de 1980. Zimbardo seleccionou umha série de sujeitos, todos eles com resultados «normais» na escala F sobre a personalidade autoritária elaborada em tempos por Theodor Adorno, dividiu-nos aleatoriamente em guardas e presos e situou-nos numha prisom fitícia. Os guardas rotavam em três quendas e deviam ater-se a um regulamento que, entre outras cousas, proibia categoricamente todo tipo de violência física contra os presos, inclusive, como é óbvio, no caso de que estes violassem os códigos de comportamento estabelecidos. Trás seis dias, o experimento tivo que ser interrompido porque «a estrutura intrínseca da instituiçom carcerária produzira níveis crescentes de brutalidade, humilhaçom e desumanizaçom (dos carcereiros contra os presos)».« O mais chamativo e desconcertante para nós foi a facilidade com que é possível suscitar um comportamento sádico em indivíduos que nom tinham umha tipologia sádica (…)>>. «Estar inserto num marco organizado de dispositivos carcerários resultou ser condiçom suficiente para produzir comportamentos aberrantes e antissociais». É um outro trecho do livro de Curcio sobre esse experimento famoso que mostrava como o rol do carcereiro converte umha pessoa num porco. Agora, o experimento distribuía os roles aleatoriamente e entre pessoas normais. Na realidade os carcereiros som-no voluntariamente, suponho que por vocaçom, assim que o resultado já se pode imaginar. Nom sei se eram muito humanos antes de ser carcereiros; nom o som em absoluto desde que assumem esta funçom (existem algumhas excepçons estranhíssimas, já falarei delas outro dia). Sábado, 7 de Janeiro de 2006 Decidimos nom planificar mobilizaçons carcerárias, como greves de fame, encerramentos em cela, etc, porque embora sobram motivos parece que nom é o momento. Os motivos seguem aí: tribunal de excepçom, afastamento a seis centos quilómetros da família e amigos, e todas as condiçons de vida que conhecemos; o momento acabará por chegar. Mas por enquanto cumpre seguir luitando, de modo que eu dedico-me à sabotagem desorganizada, voluntarista e individual das infraestruturas estratégicas de Espanha, como umha guerrilha de hostigamento em território inimigo. Primeiro pensei na energia, sabotar o seu sistema enérgico por sobreconsumo, mas logo me dei conta de que a sua electricidade produz-se nos nossos rios e centrais térmicas, com que estaria a sabotar o meu país. Assim que apaguer as luzes da cela. As que funcionam som as que agrupei sob o nome genérico de “Campanha a prol da Pertinaz Sequia”, que visa esvaziar os pântanos espanhóis e sitiar Madrid por sede. Já se sabe que este é um país seco e ermo, que leva anos organizando procissons em demanda de líquido elemento (como a dança da chuva mas sem diversom) e mentres Deus nom bota umha mao a ponto estivérom de botar-lha eles a água do Ebro, para ir andando. É o seu calcanhar de Aquiles. A estratégia consiste em terminar as suas reservas até que se vejam obrigados a comprar água a qualquer preço. E a quem lha comprariam? A nós, naturalmente, que nos sobra por todos os lados. Logo, trata-se de tomar banho várias vezes ao dia, deixa a torneira aberta mentres lavas os dentes, atirar da cadeia do sanitário de vez em quando, por surpresa…Cumpre seguir os manuais ecologistas de consumidor responsável, mas ao revés. Existem mesmo uns dispositivos artesanais que permitem deixar abertas as torneiras, que nestes casos nom som como as dos bares, de auto-retorno. Umha guerra silenciosa de constáncia e cabeçonaria, e o nosso inimigo é a chuva. Agora vem o inverno e o trabalho nom se notará, em poucos meses chega o verao e os frutos saíram à luz: “A pertinaz sequia faz com que haja que limitar o consumo…”. Sobra dizer que todo isto é brincadeira,claro. Umha brincadeira que nom faz maldita a graça ao Eduardo, por certo, porque nunca sabe se falo a sério ou nom (às vezes eu também o duvido), e afinal de contas esta é a sua terra. Esta semana o Subdirector de Segurança, ou para ser exactos um dos numerosos S.S. das nossas vidas, proibiu-nos que nos visitem os companheiros da AMI detidos em Novembro. Igual começamos a tomar banho três vezes ao dia, tu que dizes Giana?