Publicamos um artigo sobre “associaçons ilícitas” elaborado polo observatório Esculca

Publicamos hoje o texto que aparece no número 10 da revista Esculca, editada polo Observatório para a defesa dos Direitos e as Liberdades do mesmo nome. O texto elaborado a respeito das detençons de jovens de Briga cobra nova actualidade trás o processo iniciado contra a AMI, agora desde a Audiência Nacional, polo juíz especial Santiago Pedraz. Evidencia-se, após a leitura desta análise sobre as “associaçons ilícitas”, como se trata dumha figura jurídica que permete, por umha banda, a implicaçom de colectividades em delitos que tenhem carácter penal individual e, por outra, a atribuiçom de factos delitivos a pessoas que fam parte das citadas associaçons, com independência de que tenham participado nos mesmos ou nom. Reproduzimos na íntegra, por ser de grande interesse técnico-jurídico e inclusivamente político, como demonstraçom fáctica da ausência dum Estado de direito no Estado espanhol, o documento que esta tarde se publica em Indymedia Galiza. ASSOCIAÇONS ILÍCITAS Os dias 1, 2 e 9 de Junho seis pessoas fôrom detidas nas cidades da Corunha e Compostela. As detençons pareciam relacionar-se com a campanha contra a parada do Dia das Forças Armadas (29 de Maio, na Corunha), entom recém concluída e conjugada por umha pluralidade de subjectividades e agregaçons políticas do país, singularmente da cidade herculina. Malfadadamente nom fôrom as únicas pessoas detidas por acçons directas, actos de desobediência ou meras manifestaçons realizadas nos últimos meses em diferentes cantos do país. Nem sequer fôrom as únicas pessoas detidas como consequência da antedita campanha. Sem embargo, estas detençons, além do mais, suponhem um salto qualitativo de notável entidade em termos de tratamento jurídico das formas de expressom política. Por umha banda, pola acusaçom de injúrias ao exército (art. 504.2 CP), um desses delitos com a maleabilidade suficiente para criminalizar de forma generosa quase qualquer crítica que se poda fazer a umha instituiçom tam obsoleta –e, ao tempo, tam vigente– como o exército. Pola outra, e sobretudo, pola acusaçom de associaçom ilícita (art. 515 e ss. CP), imputaçom sustentada num amplo dossier policial que evidencia um seguimento contínuo da organizaçom juvenil independentista BRIGA, desde a sua mesma conformaçom em Outono passado. Se as acusaçons de injúrias ao exército semelham, dito em termos estéticos, esperpénticas, dada a desproporçom entre acçons e tratamento jurídico das mesmas, a concorrência do delito de associaçom ilícita coloca o assunto num nível de gravidade sobre o que paga a pena reflectir. RESPONSABILIDADE COLECTIVA E DESPROPORCIONADA Por expressá-lo sinteticamente, os tipos penais de associaçons ilícitas sempre constituírom umha ferramenta privilegiada de desactivaçom da dissensom política. Sabia-o o legislador histórico, que os integrava entre os ‘delitos contra a segurança interior’, parte do Código Penal dedicada ao mantimento da ordem pública no seu sentido mais estrito –político–, e tampouco o desconhece o legislador vigente, que, apesar de incluí-los no mais apresentável epígrafe de ‘delitos contra a Constituiçom’, os mantém com um desenho singularmente preocupante. Vejamos por que. a) Os delitos de associaçons ilícitas introduzem um regime de responsabilidade colectiva. Com diferença ao que é norma nos sistemas penais dos estados Democráticos de Direito, isto é: a responsabilidade individual por actos próprios, os delitos de associaçons ilícitas introduzem um preocupante regime de responsabilidade colectiva. Com efeito, na medida em que poda deduzir-se o carácter ilícito da forma associativa concreta, todas as pessoas que a formam podem ser incriminadas, com independência da sua proximidade à finalidade ilícita, e sempre que apareçam consideradas como fundadoras, directoras, presidentas (art. 517 CP), membros activos (art. 517 CP) ou simples colaboradoras (art. 518 CP). A possibilidade de difusom e alcance subjectivo que possuem estes conceitos nom precisam ser sublinhados. Para calibrar a desmesura deste regime de incriminaçom cumpre, polo demais, afastar qualquer imagem que poda identificar ilicitude da forma associativa com actuaçom armada, violenta, ou similar. Umha associaçom será ilícita (art. 515.1º CP) na medida em que, ainda que nom tenha por fim cometer delitos, promova a comissom dum –único– delito, ou mesmo quando promova a comissom de faltas de jeito organizado, coordenado e reiterado. Além do fetichismo das palavras, deve ter-se em conta que nesse ámbito entram multidom de acçons políticas de desobediência com umha mínima entidade no plano comunicativo (p. ex., realizaçom de pintadas, ocupaçom de edifícios ou transportes públicos, subversom de publicidade). A amplitude desse desenho da natureza ilícita da associaçom, que vai além do estabelecido no art. 22.2 da Constituiçom, prefigura a sua condiçom de ferramenta privilegiada de criminalizaçom da acçom política que, sem necessidade de incorrer em nengumha espiral violenta, experimente a superaçom das formas de expressom do século passado. b) Os delitos de associaçons ilícitas introduzem um regime de responsabilidade auto-referencial. Um segundo risco do regime de responsabilidade previsto para os delitos de associaçons ilícitas é o seu carácter auto-referencial; nom em vam a ilicitude colectiva da associaçom deduz-se da individual, isto é, dum acto individual que poda ser relacionado com a associaçom. A partir dessa premissa, a responsabilidade colectiva irradia-se de novo cara à individual, projectando-se sobre todas as pessoas que formam parte dessa associaçom, com independência da sua implicaçom no primeiro acto ilícito individual. c) Os delitos de associaçons ilícitas introduzem um regime de responsabilidade desproporcionado. A afronta do princípio de proporcionalidade (postulado de categoria constitucional; vid., entre outras, as SSTC 161/1997, 136/1999), mostra-se em multidom de extremos. Paga a pena destacar dous. Em primeiro lugar, a comparaçom com as consequências jurídicas reservadas para empresas que cometem delitos (art. 129 CP). Apesar de que a liberdade de empresa nom é um direito fundamental (art. 38 CE), com diferença ao direito de associaçom (art. 22 CE), quando umha firma empresarial comete um delito tem reservadas, no pior dos casos, consequências sancionatórias que nom implicam a sua morte civil –veja-se, p. ex., o conhecido caso do Atlético de Madrid–. Em troca, a comissom dum delito por parte dumha associaçom supom, como mínimo, a sua dissoluçom (art. 520 CP), que mesmo pode ser cautelar, em espera de sentença (art. 129 CP). d) Os delitos de associaçons ilícitas introduzem um regime de responsabilidade inevitavelmente arbitrário. O regime de responsabilidade assim desenhado resulta plenamente arbitrário. Essa arbitrariedade reflecte-se, quando menos, em dous aspectos. Em primeiro lugar, na projecçom da extensom do carácter colectivo da responsabilidade. Nom é assumível, nem factível, que essa responsabilidade de carácter colectivo alcance todas as pessoas relacionadas com a associaçom –membros activos (art. 517 CP), meros colaboradores (art. 518 CP)–, em particular se a sua entidade é notável. Por isso, acaba-se por incriminar algumhas pessoas, seleccionadas de jeito aleatório. O recente caso da condena a membros das associaçons Jarrai-Haika-Segi constitui neste sentido um exemplo que nom precisa maior comentário. Em segundo lugar, essa responsabilidade é arbitrária porque, com a amplitude dos artigos do CP de referência, o catálogo de formas associativas que poderiam incorrer nele é amplíssimo –inclusive, seguramente, os partidos majoritários, em relaçom com algumhas das suas actuaçons –p. ex., casos de financiamento ilícito já sentenciados–, de jeito que a selecçom de algumha delas aparece tingida polas características da selecçom discriminatória. RESUMINDO Em soma, os rasgos do regime criminalizador vigente das associaçons ilícitas som inadaptáveis aos moldes dum sistema penal próprio dum estado Democrático de Direito. Disto se derivam, polo tanto, riscos evidentes para o seu emprego contra a dissensom política, imprescindível, pola sua carga de projecçom de futuro, para um sistema democrático digno de tal nome.